FONTE: GAZETA DE ALAGOAS (Por arnaldo ferreira | Edição do dia 04/09/2021 | Matéria atualizada em 03/09/2021 às 22h08)
O presidente da Associação dos Oficiais Militares de Alagoas, tenente coronel Olegário Marques Paz Júnior, 49 anos, dos quais 28 anos como Polícia Militar, numa entrevista exclusiva à Gazeta, não escondeu a “tristeza” da gestão Renan Filho (MDB) com a Polícia Militar. O líder da entidade com 1.200 sócios civis, militares ativos e inativos criticou a situação de abandono do quartel geral da PM, o desconto superior a 50% nas pensões da maioria das 2 mil viúvas dos militares e a política salarial que impõe o redutor salarial de R$ 24 mil até para o comandante geral da PM e permite que um pequeno grupo de servidores da saúde estadual ganhe acima de R$ 70 mil/mês. Ele desconhece a informação do governo do Estado de que policiais foram punidos por apoiarem o presidente Bolsonaro e defendeu a participação de militares em manifestações pacíficas no 7 de Setembro: “pensar não é proibido”.
Nesses 28 anos de policial militar, qual o momento que mais o marcou?
Acredito que está na memória dos militares e dos alagoanos aquele momento de crise terrível entre 1996 e 1997. Estava saindo do Curso de Formação de Oficiais, naquele momento a gente atravessava uma situação nunca vista nos quartéis. Um dos colegas de farda tirou a própria vida porque não tinha como comprar alimentos para manter os filhos. Daí os militares, capitaneados pela Associação dos Oficiais na época, os então majores Jean Paiva, Paulo Nunes e outros colegas de farda fizeram um levante.
Nunca mais atrasou o vencimento?
Nunca mais. De 17 de julho de 1997 [data da rebelião que culminou com a renúncia do governador Suraugy] até agora, a gente trabalhava com um mês de salário dentro. Atraso, não teve mais. O movimento de 1997 foi um aviso e um marco temporal forte para os gestores. Tanto que hoje os gestores podem tudo, mas não podem atrasar os vencimentos dos servidores. Quem trabalha merece receber seus salários no final do mês.
A instituição Polícia Militar tinha um quartel general no centro da cidade, hospital militar de referência e hoje, quando o senhor passar na porta do antigo QG, o que sente?
Tristeza. Percebo uma profunda falta de sensibilidade dos que estão hoje na gestão do Estado. Também na gestão das nossas instituições, nós temos que fazer o nosso dever de casa.
Por que?
Na década de 90, a gestão do saudoso coronel Nilton Rocha [ex-comandante-geral, falecido] foi um marco na Polícia Militar. Tínhamos hospital de referência, com alguns dos melhores médicos, especialistas. Havia o cinema que garantia o lazer, atividades sociais e o nosso quartel general estruturado. Hoje a PM não oferta mais o que já ofertou.
Tem como recuperar o histórico quartel geral?
Mantive tratativas com o atual comandante geral, coronel Wellington Bitencourt, com o chefe do Gabinete Militar, coronel Evandro, mas foi frustrada a licitação que estava pronta para o início de agosto, por conta de uma contestação que poderia ser sanada se houvesse empenho do chefe do Executivo. Foi remarcado novo certame licitatório. Mas ninguém sabe quando ocorrerá e se ocorrerá as obras de recuperação do QG.
O senhor acredita que a PM terá a sua casa ainda nesta gestão?
Acho muito difícil que isto ocorra até o final de 2022. Considero isto uma falta de respeito, um descaso. Para o gestor a recuperação do quartel general pode ser apenas uma obra de remodelação de um prédio público. Para nós, aquele lugar é a nossa casa. Tem simbologia.
Recentemente a Gazeta publicou uma reportagem especial sobre a situação de fome e de dificuldades financeiras das viúvas que perderam mais de 50% das pensões que tinham dos maridos. Isto ocorreu realmente?
O descaso do governo com as nossas pensionistas ocorre. São cerca de duas mil pensionistas.
Por que a situação chegou a esse ponto?
Após a aprovação da Reforma da Previdência foi votado também o Sistema de Proteção Social dos Militares, em 19 de dezembro de 2019. Foi mudado o texto constitucional e foi colocado dentro das regras de inatividade e pensões a previsão do regramento federal. Prevê a isonomia dos inativos e pensionistas, ou seja, paridade e a integralidade.
O que quer dizer?
Quer dizer que o salário que tenho na ativa, caso venha tombar em serviço ou por qualquer outro evento-morte, a minha família estará amparada. Receberá aquilo que recebia na ativa. Lógico, com pequenas diferenças que não são incorporadas. A integralidade garante que toda a vez que houver reajuste, ocorrerá a recomposição das pensões. Mas vem ocorrendo interpretações erradas e considerando como se os militares fossem servidores civis. Não há demérito entre servidor Militar ou Civil. Mas são categorias diferentes como mostra o texto constitucional.
Como os governos de Alagoas trataram a questão?
O policial se aposenta com a integralidade. No entanto, as gestões não corrigem. Isto provoca a defasagem dos subsídios. A coisa é tão ruim que não deixa margem para ser piorada.
E o governo Renan Filho?
Ele institui a lei 7551, em 2015, que além de reduzir ainda coloca um limite temporal. Se a viúva não for casada há mais de 10 anos, não ganha nada, entre outros regramentos.
O senhor considera um pacote de maldade do governo contra as viúvas dos Militares?
Um pacote de maldade. Além da queda, ainda teve o coice. Teve a lei complementar da Previdência (nº52) onde nós militares ficamos totalmente apartados. A procuradoria Geral do Estado teimava em dar esta interpretação. Desde 2020 até hoje a gente trava a luta prevista na lei que garante que aos militares estaduais não se aplica o regime próprio da Previdência.
A Assembleia Legislativa aprovou no semestre passado projeto de Lei do governo estadual que para de descontar os 14% da previdência dos servidores que ganham abaixo do teto salarial da previdência. De que forma os militares foram beneficiados?
De nenhuma forma. Estamos com regramento apartado. O Alagoas previdência fez um estudo para a viabilidade do estado em prazos de 10, 20 e 30 anos. Depois do período eleitoral, quando o governo perdeu [o comando de] algumas prefeituras, o desastre foi muito grande. Com a alíquota desenfreada que aumentou o desconto da previdência de 10% para 14% para os servidores civis, quando tinha a oportunidade de fazer o desconto de forma gradativa, escalonada e não fez. Mas, com os resultados das eleições, prontamente mandou para a Assembleia o projeto de lei retomando a isenção para as categorias que ganham abaixo do teto do INSS [R$6.360,00]. Os militares da ativa, inativos e pensionistas inclusive que ganham abaixo do teto do INSS desconta 10,5% para a previdência.
As pensionistas conseguirão a recomposição das pensões e parar de descontar os 10.5%?
Acredito que sim. As associações militares, os comandos das instituições, conversaram, se uniram, protocolaram documento e mostramos aos comandantes que amanhã pode acontecer o mesmo com as nossas famílias. A gente precisa se colocar no lugar das duas mil pensionistas. Estamos diante de uma coisa simples de resolver. Falta vontade. Depois de uma reunião no palácio com os comandos militares, das instituições, com um parecer da PGE, o secretário da Fazenda, George Santoro, reconheceu o direito da integralidade e paridade das pensões.
Diante dos supersalários da Saúde, acima até de R$ 70 mil, categorias como médicos, delegados, fiscais de renda, auditores fiscais querem derrubar o teto constitucional que reduz salários de R $35 mil para R $24mil. Vocês são afetados também com o redutor?
A remuneração prevista na nossa legislação principalmente para o último posto- dos coronéis-, e o comandante geral tem seus vencimentos afetados pelo redutor constitucional. Para se ter ideia, o comandante geral diante de todas as responsabilidades do cargo e comandar mais de 8 mil homens [o total com os inativos é de pouco mais de 15 mil militares], administrar uma gama de problemas funcionais, operacionais e não ter sossego, não recebe um Real a mais no subsídio a nível de gratificação por causa do redutor constitucional.
O comandante geral também recebe R$ 24 mil?
R$ 24 mil. Deveria ter um subsídio bem maior diante do tamanho da responsabilidade do cargo.
O governador Renan Filho, numa recente entrevista ao jornal O Globo, afirmou que dois coronéis foram punidos porque fizeram campanhas pró e contra o presidente Jair Bolsonaro. A declaração do governador prevê punição para novos atos de insurgências?
Vi com surpresa a entrevista do governador no jornal O Globo. A punição dos dois oficiais, eu desconheço. Foram abertos procedimentos que estão em fase de apuração. Graças a Deus, as nossas instituições militares agem diferente de outras instituições que abrem o processo e não dão sequer o direito de defesa. A PM de Alagoas abre o Inquérito Policial Militar e garante amplo direito de defesa aos dois oficiais: uma do Corpo dos Bombeiros, que fez um ato dentro da organização militar, e outro da PM nas suas redes sociais.
No 7 de Setembro, o militar pode ou não se manifestar politicamente?
Seguindo a orientação da nossa Federação Nacional dos Policiais Militares, o militar estadual é ordeiro, obediente às normas e aos regulamentos. Na hora de folga, o militar pode participar inclusive com a família, de um ato cívico em prol da democracia, e comemorar esta data marcante.
O que o regulamento proíbe?
Proíbe os militares participarem de manifestações fardados. Não defendemos nenhum dos lados. Defendemos a liberdade de expressão. Pensar nunca foi proibido.